
O Que Foi Simbolismo Brasileiro?: Características, Autores e Obras que Revolucionaram Nossa Literatura
Descubra mais sobre o movimento literário brasileiro conhecido como simbolismo (1893-1902): características, autores como Cruz e Sousa e Alphonsus de Guimaraens, obras importantes e seu legado na literatura nacional.
ARTIGOS
Sebastião Victor Diniz
4/28/202511 min read



O Simbolismo brasileiro representou uma importante ruptura estética na literatura nacional, introduzindo uma sensibilidade poética inovadora que contrastava com o cientificismo e objetividade dos movimentos anteriores. Surgindo oficialmente em 1893 com a publicação simultânea de "Missal" e "Broquéis" de Cruz e Sousa, este movimento literário trouxe para o Brasil uma nova forma de expressão artística, caracterizada pelo subjetivismo, misticismo e busca pela transcendência. Apesar de sua curta duração oficial (1893-1902) e da limitada repercussão na época, o Simbolismo brasileiro deixou um legado significativo que influenciaria gerações posteriores de escritores, especialmente os modernistas. Este movimento se destacou pela valorização da musicalidade, uso de sinestesias, símbolos e alegorias, além de temas relacionados à espiritualidade, morte e estados da alma que refletiam uma profunda inquietação existencial em um Brasil que transitava entre o Império e a República.
Origens e Contexto Histórico do Simbolismo Brasileiro
O Simbolismo surgiu inicialmente na França, na segunda metade do século XIX, como uma reação direta ao Realismo e ao Naturalismo, movimentos que dominavam o cenário literário da época com seu enfoque cientificista e materialista. No contexto europeu, Charles Baudelaire é frequentemente apontado como precursor do movimento, com sua obra "As Flores do Mal" (1857), que já apresentava elementos que seriam caros aos simbolistas.
No Brasil, o movimento chegou com algum atraso em relação à Europa, estabelecendo-se oficialmente em 1893. Este período coincidiu com importantes transformações históricas e sociais no país, como a abolição da escravatura (1888) e a Proclamação da República (1889). A sociedade brasileira enfrentava profundas mudanças estruturais, abandonando o sistema monárquico e escravocrata para adaptar-se a novos paradigmas políticos e sociais.
O cenário cultural brasileiro da época era dominado pelo Parnasianismo e pelo Realismo-Naturalismo, movimentos que privilegiavam a objetividade, a perfeição formal e a descrição minuciosa da realidade. O Simbolismo surgiu, portanto, como uma alternativa estética que valorizava o subjetivismo, o mistério e a transcendência, em oposição ao materialismo vigente.
É importante destacar que o Simbolismo brasileiro, embora inspirado nas tendências europeias, desenvolveu características próprias, adaptando-se ao contexto cultural e social do país. Diferentemente da França, onde o movimento teve ampla repercussão, no Brasil ele permaneceu relativamente marginalizado, com um número reduzido de adeptos e limitada aceitação crítica na época.
A Transição para o Simbolismo no Brasil
A literatura brasileira, até então fortemente influenciada pelos padrões europeus, começava a buscar uma identidade própria. O Simbolismo representou, nesse contexto, uma tentativa de renovação estética que, apesar de inspirada em tendências estrangeiras, procurava expressar sensibilidades e inquietações próprias da realidade brasileira.
Cruz e Sousa, considerado o maior expoente do Simbolismo no Brasil, enfrentou o preconceito racial em uma sociedade recém-saída da escravidão. Sua condição de homem negro em um ambiente literário predominantemente branco e elitista influenciou profundamente sua obra, permeada por temas como a dor, a solidão e a busca pela transcendência. Sua poesia, de densidade única, expressava não apenas questões existenciais universais, mas também refletia as contradições e tensões da sociedade brasileira da época.
Características Fundamentais do Simbolismo Brasileiro
O Simbolismo brasileiro caracterizou-se por uma série de elementos estéticos e temáticos que o distinguiam dos demais movimentos literários. Estas características refletiam uma nova sensibilidade artística, mais voltada para o subjetivo, o transcendente e o misterioso.
Subjetivismo e Estados da Alma
Os simbolistas brasileiros buscavam expressar estados da alma e sensações subjetivas, em oposição à objetividade realista e naturalista. A poesia simbolista não pretendia descrever a realidade exterior, mas sim captar e expressar a realidade interior, os sentimentos mais profundos e as impressões mais sutis. Esta valorização da subjetividade resultava em textos frequentemente herméticos, de difícil interpretação, que exigiam do leitor uma postura mais ativa e intuítiva.
Cruz e Sousa, em seu poema "Antífona", exemplifica esta tendência ao escrever: "Indefiníveis músicas supremas,/Harmonias da Cor e do Perfume.../Horas do Ocaso, trêmulas, extremas,/Réquiem do Sol que a Dor da Luz resume...". Nestes versos, percebe-se claramente a tentativa de captar sensações imprecisas e estados de espírito indefiníveis, através de uma linguagem sugestiva e evocativa.
Musicalidade e Recursos Sonoros
Uma das características mais marcantes do Simbolismo brasileiro era a valorização da musicalidade. Os poetas buscavam explorar o potencial sonoro das palavras, criando versos melodiosos que evocassem sensações e estados de espírito através de seu ritmo e sonoridade.
A aliteração, a assonância e outros recursos fônicos eram amplamente utilizados para criar efeitos musicais nos poemas. O próprio Cruz e Sousa, por exemplo, foi chamado de "poeta do som" devido à sua extraordinária capacidade de explorar a musicalidade das palavras.
Misticismo e Espiritualidade
O Simbolismo brasileiro caracterizava-se também por uma forte tendência ao misticismo e à espiritualidade. Em contraposição ao materialismo e ao cientificismo da época, os simbolistas valorizavam o mistério, o oculto e o transcendente.
Esta espiritualidade manifestava-se de diferentes formas: em Cruz e Sousa, assumia muitas vezes um caráter angustiado, ligado à busca pela transcendência em meio ao sofrimento; já em Alphonsus de Guimaraens, expressava-se através de um catolicismo místico e melancólico.
Sinestesia e Figuras de Linguagem
A sinestesia, figura de linguagem que consiste na associação de sensações pertencentes a diferentes domínios sensoriais, era um recurso frequentemente utilizado pelos simbolistas brasileiros. Através dela, buscavam criar correspondências entre diferentes sentidos, sugerindo uma realidade mais complexa e integrada.
Cruz e Sousa, em seu poema "Violões que Choram", oferece um exemplo claro de sinestesia: "Vibram acordes de dolente sonho/E sons de pranto trêmulo, tristonho...". Nestes versos, há uma fusão entre sensações auditivas (acordes, sons) e visuais/emocionais (pranto, tristonho).
Uso de Símbolos e Alegorias
Como o próprio nome sugere, o Simbolismo valorizava o uso de símbolos e alegorias para expressar ideias abstratas e realidades transcendentes. Para os simbolistas, o símbolo não era uma simples figura de linguagem, mas um meio de acessar realidades superiores, que não podiam ser expressas diretamente pela linguagem comum.
A lua, a noite, o cisne, a torre, entre outros, eram símbolos recorrentes na poesia simbolista brasileira, cada um carregado de significados que transcendiam sua literalidade.
Principais Autores do Simbolismo Brasileiro
O Simbolismo brasileiro, apesar de sua curta duração e limitada aceitação crítica na época, contou com poetas de grande talento e sensibilidade, que produziram obras de inegável valor estético e literário.
Cruz e Sousa: O Dante Negro


João da Cruz e Sousa (1861-1898) é considerado o maior poeta do Simbolismo brasileiro e um dos mais importantes da literatura nacional. Nascido em Desterro (atual Florianópolis), era filho de ex-escravos e enfrentou o preconceito racial durante toda sua vida, o que certamente influenciou a angústia e o sentimento de inadequação presentes em sua obra.
Em 1893, Cruz e Sousa publicou simultaneamente "Missal" (em prosa) e "Broquéis" (em verso), obras que marcam oficialmente o início do Simbolismo no Brasil. Sua poesia caracteriza-se pela extrema musicalidade, pelo uso magistral de sinestesias e por uma linguagem rica e inovadora.
Dentre os temas recorrentes em sua obra, destacam-se a dor, a angústia existencial, a busca pela transcendência e o conflito entre a matéria e o espírito. Sua condição de homem negro em uma sociedade racista confere a esses temas uma dimensão única e profundamente pessoal.
Além de "Missal" e "Broquéis", Cruz e Sousa publicou em vida "Evocações" (1898). Postumamente, foram publicados "Faróis" (1900) e "Últimos Sonetos" (1905), que consolidaram sua importância na literatura brasileira.
Alphonsus de Guimaraens: O Poeta Místico


Alphonsus de Guimaraens (1870-1921), pseudônimo de Afonso Henrique da Costa Guimarães, é outro grande nome do Simbolismo brasileiro. Nascido em Ouro Preto, Minas Gerais, desenvolveu uma poesia marcada pelo misticismo católico, pela melancolia e por uma profunda espiritualidade.
Sua obra caracteriza-se por uma religiosidade mística e por temas como a morte, o amor impossível e a transcendência espiritual. Um aspecto marcante de sua poesia é a presença constante da figura feminina idealizada, frequentemente associada à pureza e à espiritualidade.
Entre suas principais obras estão "Kiriale" (1902), "Dona Mística" (1899), "Setenário das Dores de Nossa Senhora" (1899) e "Câmara Ardente" (1899). Sua poesia, embora inserida no contexto simbolista, apresenta características próprias, especialmente no que se refere ao tratamento do tema religioso.
Pedro Kilkerry: O Experimentalista


Pedro Kilkerry (1885-1917) é considerado um dos mais originais poetas do Simbolismo brasileiro, apesar de sua obra relativamente pequena e pouco conhecida em sua época. Nascido em Salvador, Bahia, desenvolveu uma poesia extremamente inovadora, que antecipava aspectos que só seriam explorados mais tarde pelo Modernismo.
Sua obra caracteriza-se pelo experimentalismo linguístico, pela criação de neologismos e por uma sintaxe inovadora. A musicalidade de seus versos e o uso intenso de imagens inusitadas conferem a sua poesia uma qualidade única no contexto do Simbolismo brasileiro.
Kilkerry não publicou nenhum livro em vida, tendo sua obra dispersa em periódicos da época. Foi apenas em 1952, com a publicação de "Pedro Kilkerry: Poesia", organizada por Andrade Muricy, que sua importância começou a ser reconhecida.
Outros Poetas Simbolistas Brasileiros
Além dos nomes mencionados, o Simbolismo brasileiro contou com outros poetas de valor, como Emiliano Perneta (1866-1921), que publicou "Ilusão" (1911), uma das mais importantes obras do movimento; Eduardo Guimaraens (1892-1928), autor de "A Divina Quimera" (1916); e Dario Veloso (1869-1937), que além de poeta foi um importante divulgador do ocultismo e do esoterismo no Brasil.
Obras Fundamentais do Simbolismo Brasileiro
O Simbolismo brasileiro produziu algumas obras de inegável valor literário, que representam importantes contribuições à literatura nacional. Entre elas, destacam-se:
"Missal" e "Broquéis" de Cruz e Sousa
Publicados simultaneamente em 1893, "Missal" (em prosa poética) e "Broquéis" (em verso) marcam oficialmente o início do Simbolismo no Brasil. Nestas obras, Cruz e Sousa já apresenta plenamente desenvolvidas as características que marcariam sua poesia: a musicalidade intensa, o uso magistral de sinestesias, a linguagem rica e sugestiva e a busca pela transcendência.
Em "Broquéis", poemas como "Antífona", "Acrobata da Dor" e "Sonho Branco" exemplificam a estética simbolista em sua expressão mais elevada. Já em "Missal", textos como "Tropa de Imagens" e "Dor Negra" demonstram como a prosa poética também podia servir aos propósitos estéticos do Simbolismo.
"Faróis" e "Últimos Sonetos" de Cruz e Sousa
Publicados postumamente, "Faróis" (1900) e "Últimos Sonetos" (1905) representam o amadurecimento da poética de Cruz e Sousa. Nestas obras, percebe-se uma intensificação da angústia existencial e da busca pela transcendência, possivelmente influenciadas pelo sofrimento do poeta nos últimos anos de sua vida.
Nos "Últimos Sonetos", considerados por muitos críticos o ápice da produção de Cruz e Sousa, poemas como "Vida Obscura", "Supremo Verbo" e "Transcendentalismo" revelam uma profundidade filosófica e uma densidade emocional raramente igualadas na poesia brasileira.
"Kiriale" de Alphonsus de Guimaraens
Publicado em 1902, "Kiriale" é uma das obras mais representativas do Simbolismo brasileiro e talvez a mais importante de Alphonsus de Guimaraens. O título, que faz referência ao Kyrie eleison (parte da liturgia católica), já indica a forte presença do tema religioso que caracteriza a obra.
Em "Kiriale", poemas como "Ismália" e "A Catedral" exemplificam a peculiar combinação de misticismo católico, melancolia e musicalidade que define a poética de Alphonsus.
Crítica e Recepção do Simbolismo Brasileiro
O Simbolismo brasileiro, em sua época, foi um movimento relativamente marginal, que não alcançou a mesma repercussão e aceitação crítica que o Parnasianismo ou o Realismo-Naturalismo. Vários fatores contribuíram para esta limitada recepção inicial.
Recepção Inicial e Críticas da Época
A crítica literária da época, fortemente influenciada pelo positivismo e pelo cientificismo, frequentemente considerava a poesia simbolista hermética, obscura e excessivamente subjetiva. Muitos críticos não compreendiam ou não valorizavam a estética simbolista, preferindo a clareza e a objetividade dos parnasianos ou a abordagem científica dos naturalistas.
Cruz e Sousa, apesar de seu inegável talento, foi alvo de críticas racistas e preconceituosas. Sua condição de homem negro em uma sociedade recém-saída da escravidão certamente influenciou a recepção negativa de sua obra por parte de certos setores da crítica.
Além disso, o próprio caráter da poesia simbolista, frequentemente hermética e de difícil acesso, contribuiu para sua limitada popularidade. A valorização do subjetivo, do transcendente e do misterioso não encontrava eco imediato em uma sociedade ainda fortemente marcada pelo positivismo e pelo materialismo.
Reavaliação Posterior do Simbolismo
Foi apenas posteriormente, especialmente a partir da década de 1940, com os estudos de críticos como Andrade Muricy e Roger Bastide, que o Simbolismo brasileiro começou a ser devidamente valorizado e compreendido.
A publicação de "Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro" (1952), de Andrade Muricy, representou um marco importante nesta reavaliação crítica do movimento. Esta obra monumental, em dois volumes, resgatou a importância do Simbolismo e de seus principais expoentes, especialmente Cruz e Sousa.
Hoje, o Simbolismo é reconhecido como um movimento de grande importância na literatura brasileira, que não apenas produziu obras de inegável valor estético, mas também abriu caminho para experiências poéticas posteriores, especialmente o Modernismo.
O Fim do Movimento Simbolista e Sua Influência
O Simbolismo brasileiro, como movimento organizado, teve uma duração relativamente curta, considerando-se seu período de maior vigor entre 1893 (publicação de "Missal" e "Broquéis") e 1902 (publicação de "Kiriale").
Período de Declínio e Transição
Por volta de 1902, o Simbolismo como movimento organizado já começava a declinar no Brasil, embora alguns poetas tenham continuado a produzir obras de inspiração simbolista nas décadas seguintes. Esta transição não significou, no entanto, o desaparecimento completo da estética simbolista, que continuou a influenciar poetas do chamado Pré-Modernismo e, posteriormente, do próprio Modernismo.
O período entre o declínio do Simbolismo e o advento do Modernismo (marcado pela Semana de Arte Moderna de 1922) é frequentemente denominado Pré-Modernismo. Neste período, a literatura brasileira caracterizou-se por uma grande diversidade estética, com a coexistência de tendências variadas, incluindo reminiscências simbolistas.
Influência no Modernismo e na Literatura Contemporânea
Apesar de sua curta duração oficial, o Simbolismo exerceu uma influência significativa na literatura brasileira posterior, especialmente no Modernismo. Vários aspectos da estética simbolista – como a valorização da subjetividade, a experimentação linguística e a busca por novas formas de expressão – foram retomados e reelaborados pelos modernistas.
Poetas modernistas como Manuel Bandeira, Cecília Meireles e Jorge de Lima, entre outros, reconheceram a importância do Simbolismo e, em diferentes graus, incorporaram elementos da estética simbolista em suas obras.
Na literatura contemporânea, a influência do Simbolismo continua a se fazer sentir, especialmente naqueles poetas que valorizam a musicalidade, a sugestão e a dimensão transcendente da experiência poética.
Conclusão: O Legado do Simbolismo na Literatura Brasileira


O Simbolismo representou uma ruptura significativa na literatura brasileira, introduzindo uma nova sensibilidade poética que se opunha ao cientificismo e ao materialismo dominantes na época. Apesar de sua curta duração oficial e da limitada aceitação crítica em seu tempo, o movimento produziu obras de inestimável valor estético e literário, que permanecem como importantes contribuições à cultura nacional.
Cruz e Sousa, o maior expoente do Simbolismo brasileiro, criou uma poesia de densidade única, que não apenas incorporava os princípios estéticos do movimento, mas também os transformava a partir de sua experiência pessoal de homem negro em uma sociedade racista. Sua obra, inicialmente incompreendida, é hoje reconhecida como uma das mais importantes da literatura brasileira.
Alphonsus de Guimaraens, com seu misticismo católico e sua melancolia característica, representou outra vertente significativa do Simbolismo brasileiro, demonstrando a diversidade estética que o movimento podia comportar.
O legado do Simbolismo na literatura brasileira é múltiplo: por um lado, suas inovações estéticas e linguísticas abriram caminho para experiências poéticas posteriores; por outro, sua valorização da subjetividade e do transcendente representou uma importante contracorrente em relação ao materialismo e ao cientificismo dominantes.
Hoje, mais de um século após seu surgimento, o Simbolismo brasileiro continua a inspirar poetas, a interessar críticos e a emocionar leitores, demonstrando a vitalidade e a atualidade de uma estética que, em sua época, representou uma corajosa ruptura com os padrões estabelecidos e uma afirmação da liberdade criativa e da autonomia da arte.



Escrito por: Sebastião Victor Diniz
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