
O que Foi o Pré-Modernismo Brasileiro?: Conheça o Contexto, Características, Autores e Obras
O que Foi o Pré-Modernismo Brasileiro? Entre Tradição e Revolução, descubra os Primórdios da Modernidade Brasileira! eternizadas pelo Pré-Modernismo brasileiro (1902-1922) Características, autores como Euclides da Cunha e Lima Barreto, principais obras e seu papel na renovação da literatura nacional
ARTIGOS
Sebastião Victor Diniz
5/2/202510 min read



O Pré-Modernismo brasileiro representa um período crucial de transição na literatura nacional, marcando a passagem entre o Simbolismo e o Modernismo. Compreendido entre 1902, com a publicação de "Os Sertões" de Euclides da Cunha, até 1922, quando a Semana de Arte Moderna inaugurou oficialmente o Modernismo, este movimento caracterizou-se por uma produção literária diversificada que começou a romper com os padrões estéticos vigentes e a retratar criticamente a realidade brasileira. Diferentemente de outras escolas literárias, o Pré-Modernismo não constituiu um movimento homogêneo, mas sim um sincretismo de diferentes correntes estéticas que refletiam as profundas transformações sociais, políticas e culturais que o Brasil enfrentava no início do século XX.
Contexto Histórico do Pré-Modernismo
O surgimento do Pré-Modernismo está intrinsecamente ligado às transformações sociais e políticas que ocorriam no Brasil no início do século XX. Este período foi marcado pela transição da República da Espada para a República Velha, quando o poder se concentrou nas mãos das oligarquias paulistas e mineiras através da chamada "política do café com leite". O país experimentava um momento de profundas contradições, evidenciadas por um processo de modernização que não contemplava a maior parte da população.
Os escritores pré-modernistas emergiram em um cenário de crescentes tensões sociais, testemunhando diversas revoltas populares que marcaram a época: a Guerra de Canudos, a Revolta da Vacina, a Revolta da Chibata, entre outros levantes que expunham as desigualdades e injustiças da sociedade brasileira. Esses conflitos refletiam o abismo entre um Brasil oficial, que buscava imitar os padrões europeus, e um Brasil real, marcado pela miséria e exclusão.
Paralelamente, o mundo passava por transformações significativas, com o surgimento dos movimentos de vanguarda europeus (expressionismo, cubismo, futurismo, dadaísmo e surrealismo), que anunciavam novos paradigmas artísticos. Essas influências chegavam ao Brasil, ainda que de forma fragmentada, contribuindo para uma gradual renovação estética que se consolidaria com o Modernismo.
A Sociedade Brasileira em Transformação
No início do século XX, o Brasil ainda enfrentava as consequências da recente abolição da escravatura (1888) e da proclamação da República (1889). A estrutura social permanecia profundamente desigual, com uma elite agrária dominante, uma incipiente burguesia urbana e uma imensa população de excluídos, formada por ex-escravos, trabalhadores rurais e um nascente proletariado urbano.
A industrialização começava a ganhar impulso, principalmente em São Paulo, enquanto nas áreas rurais predominava o coronelismo, sistema político baseado no poder dos grandes proprietários de terra. O fluxo migratório europeu, intensificado nas primeiras décadas do século, trazia novas influências culturais e sociais, contribuindo para a diversificação da sociedade brasileira.
Foi nesse contexto de contradições e transformações que os escritores pré-modernistas voltaram seu olhar para a realidade nacional, empenhando-se em revelar um Brasil até então invisibilizado pela literatura oficial.
Características do Movimento Pré-Modernista
O Pré-Modernismo caracterizou-se por uma produção literária diversificada, que começou a romper com os padrões estéticos do passado, especialmente com o academicismo parnasiano que predominava nos meios literários oficiais. Embora não apresentasse uma unidade estilística, é possível identificar algumas características comuns que definem o espírito do movimento:
Ruptura e Inovação Estética
Os autores pré-modernistas empreenderam uma gradual ruptura com a linguagem rebuscada e formal das escolas anteriores, adotando uma expressão mais simples e coloquial. Esta mudança representava não apenas uma renovação estética, mas também uma postura ideológica, pois permitia abordar temas e personagens até então marginalizados pela literatura canônica.
O sincretismo estético foi outra marca importante do período, com produções que mesclavam características neo-realistas, neo-parnasianas e neo-simbolistas. Este ecletismo refletia o momento de transição vivido pela literatura brasileira, que buscava novos caminhos expressivos sem romper completamente com a tradição.
Engajamento Social e Crítica
Uma das características mais marcantes do Pré-Modernismo foi o forte engajamento social e a postura crítica diante da realidade brasileira. Os escritores voltaram-se para os problemas nacionais, denunciando as desigualdades sociais, o abandono das populações marginalizadas e as contradições de um país que se pretendia moderno, mas permanecia profundamente injusto e excludente.
A literatura pré-modernista abandonou a visão idealizada e ufanista do Brasil, predominante no Romantismo, para retratar com crueza e realismo as dificuldades enfrentadas pelo povo brasileiro, especialmente pelas populações do interior e das periferias urbanas. Esta abordagem crítica preparou o terreno para as transformações mais radicais que viriam com o Modernismo.
Regionalismo e Valorização da Cultura Nacional
O regionalismo foi um traço distintivo do Pré-Modernismo, com a literatura voltando-se para a representação das diferentes regiões brasileiras, suas paisagens, costumes e tipos humanos. Esta tendência estava alinhada com a busca por uma identidade nacional autêntica, que refletisse a diversidade cultural e social do país.
Os sertões nordestinos, os subúrbios cariocas, as zonas rurais de São Paulo tornaram-se cenários privilegiados dessa literatura, que trouxe à tona personagens até então invisíveis: o sertanejo, o caipira, o mulato, o suburbano. Esta valorização da cultura popular e das expressões regionais representou um importante passo na construção de uma literatura genuinamente brasileira.
Principais Autores e Obras do Pré-Modernismo
Euclides da Cunha e "Os Sertões"


Euclides da Cunha (1866-1909) é considerado um dos pilares do Pré-Modernismo brasileiro, e sua obra-prima, "Os Sertões" (1902), é tida como o marco inicial desse período literário. Engenheiro e jornalista, Euclides cobriu a Guerra de Canudos como correspondente do jornal "O Estado de S. Paulo", experiência que serviu de base para a elaboração de sua obra mais importante.
"Os Sertões" transcende os limites entre literatura e reportagem, história e sociologia, ciência e arte. Dividida em três partes – "A Terra", "O Homem" e "A Luta" – a obra apresenta um estudo minucioso do ambiente físico do sertão nordestino, das características étnicas e culturais de sua população e do sangrento conflito de Canudos, liderado por Antônio Conselheiro entre 1896 e 1897.
Com uma linguagem cientificista e ao mesmo tempo poética, Euclides da Cunha rompeu com a tradição literária brasileira ao abordar criticamente uma realidade nacional até então ignorada pelos escritores urbanos. "Os Sertões" denunciou o massacre promovido pelas forças republicanas contra a população de Canudos e questionou a visão preconceituosa que as elites tinham sobre o sertanejo, famosamente descrito pelo autor como "antes de tudo, um forte".
Lima Barreto: O Crítico da Sociedade Brasileira


Afonso Henriques de Lima Barreto (1881-1922) representa outra vertente fundamental do Pré-Modernismo, com uma obra marcada pela denúncia das desigualdades sociais e do preconceito racial. Nascido no Rio de Janeiro e de origem humilde, Lima Barreto viveu na própria pele as contradições da sociedade brasileira, como negro, pobre e suburbano.
Sua literatura voltou-se para a representação do cotidiano das camadas populares, especialmente dos subúrbios cariocas, em contraste com o mundo vazio da burguesia e das elites políticas. Em "Triste Fim de Policarpo Quaresma" (1915), sua obra mais conhecida, Lima Barreto narra a trajetória de um nacionalista ingênuo que acredita na possibilidade de um Brasil melhor, mas acaba desiludido diante da corrupção e do descaso das autoridades.
Lima Barreto inovou não apenas nos temas abordados, mas também na linguagem, adotando um estilo direto, coloquial e acessível, que rompia com os padrões acadêmicos da época. Sua obra antecipou muitas das propostas que seriam defendidas pelos modernistas, como a valorização da linguagem brasileira e a crítica aos valores burgueses.
Monteiro Lobato e a Literatura Regional


José Bento Monteiro Lobato (1882-1948) destaca-se no Pré-Modernismo por sua contribuição à literatura regionalista e infantil. Embora seja mais conhecido hoje por sua produção para crianças, Lobato iniciou sua carreira literária com obras que retratavam criticamente a realidade do interior paulista.
Em "Urupês" (1918), seu primeiro livro de contos, Lobato criou a figura emblemática de Jeca Tatu, um caipira indolente e miserável que simbolizava o abandono das populações rurais pelas políticas públicas. Inicialmente visto como uma crítica ao homem do campo, o personagem foi posteriormente reinterpretado pelo próprio autor, que passou a denunciar as condições sociais e sanitárias que condenavam o trabalhador rural à miséria e às doenças.
Além de sua produção literária, Monteiro Lobato teve papel fundamental como editor e divulgador da literatura brasileira, criando uma das primeiras editoras nacionais e incentivando novos autores. Sua postura inovadora e crítica, tanto na literatura quanto no empreendedorismo cultural, preparou o caminho para as transformações que viriam com o Modernismo. modernistas, como a valorização da linguagem brasileira e a crítica aos valores burgueses.
Outros Autores do Pré-Modernismo
Além desses três grandes nomes, outros escritores contribuíram significativamente para a literatura pré-modernista, abordando temas regionais e sociais a partir de diferentes perspectivas:
Graça Aranha (1868-1931), com "Canaã" (1902), romance que discute a imigração alemã no Espírito Santo e questiona os rumos da identidade nacional brasileira.
Augusto dos Anjos (1884-1914), poeta cuja obra única, "Eu" (1912), revela uma poesia singular, mesclando cientificismo, pessimismo e imagens mórbidas, antecipando tendências expressionistas.
Simões Lopes Neto (1865-1916), que em "Contos Gauchescos" (1912) e "Lendas do Sul" (1913) retratou a cultura e as tradições do Rio Grande do Sul, usando magistralmente a linguagem regional.
Esses autores, embora diversos em estilos e temas, compartilhavam a preocupação com a realidade brasileira e a busca por uma expressão literária autêntica, que refletisse as peculiaridades nacionais.
Manifestações Artísticas no Período Pré-Modernista
O espírito inovador do Pré-Modernismo não se limitou à literatura, manifestando-se também em outras expressões artísticas que preparavam o terreno para as transformações mais radicais que viriam com o Modernismo.
Música e Artes Plásticas
Na música, o período assistiu à gradual valorização de ritmos populares como o maxixe, a toada, a modinha e a serenata, que começavam a penetrar nas camadas mais elevadas da sociedade. No Rio de Janeiro, então capital federal, o carnaval ganhava força como manifestação cultural, e compositores como Chiquinha Gonzaga destacavam-se por seu trabalho inovador. No campo da música erudita, Alberto Nepomuceno desenvolvia composições de "intenção nacionalista".
Nas artes plásticas, a Escola Nacional de Belas Artes ainda mantinha uma orientação acadêmica, mas já surgiam artistas com propostas mais independentes. O neoimpressionismo começava a influenciar alguns pintores brasileiros, anunciando as transformações que se concretizariam nas décadas seguintes.
Jornalismo e Crítica Social
O jornalismo teve papel fundamental no período pré-modernista, servindo como veículo para a difusão de ideias críticas e para a denúncia dos problemas sociais. Muitos dos escritores pré-modernistas eram também jornalistas, como Euclides da Cunha e Lima Barreto, e utilizavam a imprensa para expressar suas visões sobre a realidade brasileira.
As revistas ilustradas e os jornais da época registravam as transformações urbanas, as tensões sociais e os debates políticos, constituindo um importante documento histórico desse período de transição. A crítica social, característica marcante da literatura pré-modernista, encontrava no jornalismo um canal privilegiado de expressão.
A Transição para o Modernismo
O Pré-Modernismo preparou o terreno para a renovação mais radical que viria com o Modernismo. Ao romper com certos aspectos da tradição literária e voltar-se para a realidade brasileira, os autores pré-modernistas lançaram as bases para a revolução estética que seria consolidada a partir da Semana de Arte Moderna de 1922.
A gradual incorporação da linguagem coloquial, a valorização da cultura popular e regional, a crítica social e a busca por uma expressão autenticamente brasileira foram contribuições fundamentais do Pré-Modernismo que seriam aprofundadas pelos modernistas.
No entanto, é importante ressaltar que, enquanto os pré-modernistas mantinham ainda certos vínculos com a tradição literária, os modernistas propuseram uma ruptura mais radical, tanto na forma quanto no conteúdo. A experimentação linguística, a incorporação da estética das vanguardas europeias e a atitude irreverente diante da tradição seriam marcas distintivas do Modernismo, que não estavam plenamente desenvolvidas no período anterior.
O Pré-Modernismo configura-se, assim, como um momento de transição essencial, em que a literatura brasileira começou a encontrar uma voz própria para expressar as contradições e complexidades da realidade nacional.
Conclusão: O Legado do Pré-Modernismo
O Pré-Modernismo deixou um legado significativo para a literatura brasileira, contribuindo decisivamente para a construção de uma expressão literária mais autêntica e representativa da realidade nacional. Ao romper com os padrões estéticos eurocêntricos e voltar-se para os problemas sociais brasileiros, os autores pré-modernistas ampliaram os horizontes da nossa literatura e prepararam o caminho para as transformações mais profundas que viriam com o Modernismo.
A denúncia das desigualdades sociais, a valorização das culturas regionais, a incorporação de personagens marginalizados e a busca por uma linguagem mais próxima da fala brasileira foram contribuições fundamentais desse período. Obras como "Os Sertões", "Triste Fim de Policarpo Quaresma" e "Urupês" permanecem não apenas como marcos literários, mas também como documentos históricos que ajudam a compreender as contradições e complexidades da sociedade brasileira no início do século XX.
O Pré-Modernismo representou, assim, um momento crucial de tomada de consciência nacional, em que a literatura assumiu um papel ativo na construção de uma identidade brasileira mais inclusiva e realista. Seu legado transcende o campo literário, influenciando o pensamento social brasileiro e contribuindo para uma visão mais crítica e menos idealizada do Brasil.





Escrito por: Sebastião Victor Diniz
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